Caminhava num estreito e degradado corredor
sumida nos sons de um silêncio profundo, abstracto.
Para trás, ficavam seres estranhos
com seus olhos carregados num misto de dor, ódio,
desconfiança e espanto.
Caminhava apressada como que instruída
pelo apelo da derradeira porta.
Na sua pressa, quase esbarrou com três homens furibundos
sustendo no ar uma frágil e pequena cadeira de pinho
ocupada por uma criança com uma corda grossa no pescoço.
Atónita, alarmada olhou para cima.
A meio metro da cabeça, a ponta erecta estava cortada.
Entrou no quarto dos fundos onde uma mulher desvairada
acusava, com gestos, o menino da cadeira por todo o mal sucedido.
Que mal?
Porquê tanta demência se nem um som se ouvia?
Olhou ao seu redor tentando entender o que apenas sentia.
Naquele quarto pequeno, onde o caos se tinha instalado,
avistou mais duas crianças, imóveis, subnutridas:
uma num canto em novelo encolhida,
outra numa enxerga e virada para a parede.
Devagarinho, rodou-a.
O seu mundo era outro.
Aquele das coisas mais simples e belas
onde a mobilidade cerebral a ciência ainda não conserta.
Mais tarde veio a saber que, a menina da enxerga,
havia sido encontrada, abandonada, num destroço qualquer.
Ainda hoje estremece pela peculiaridade isócrona do sonho.
(pintura de Carrington)
4 comentários:
Por vezes, a própria vida é um labirinto que se reflecte nos sonhos...
Lindo como sempre.....
Beijos e abraços
Marta
Obrigado pela tua visita, querida amiga.
Infelizmente, tenho tido uma vida de drama...Como sabes...
Nasci, quem sabe, para que o meu destino pudesse ver até onde iria a "MINHA RESISTÊNCIA NO ENFRENTAR OS PERCALÇOS DA VIDA...Que tantos são...
Uma coisa tenho a certeza, a vontade de viver continua. Mesmo que agora eu esteja sozinho na vida, depois do meu impensável divórcio...
Teu poema, para mim um drama de vida...Mas como sempre, escreves maravilhosamente bem...PARABÉNS.
Bjnhs e muitas felicidades
ZezinhoMota
O surreal de braço dado com uma certa realidade, tantas vezes vivida.
Sair do sonho e encarar a vida simples de um dia de sol brilhante que nos traga sonhos alegres.
Gostei muito do poema, lembra-me algumas circunstâncias, metaforicamente dizendo…
Beijo e boa sexta-feira
A vida e o sonho
O mundo e outros mundos
E a(s) esfera(s) que nos move(m) e onde nos movemos.
Um prazer enorme, querida amiga Amita, ler tão profunda mensagem em tão bela poesia.
Grande abraço
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