sábado, fevereiro 26, 2005

Telhados de Vidro

Esta cidade Invicta, antiga,
de existência milenar
onde me recolho na vida
que do Norte foi trazida,
repousa em beleza ímpar

Recordo o verde do Minho distante,
suas casas solarengas, brasonadas,
milheirais, vinhedos, da gente
simples, activa, sorridente,
dos espigueiros, castelos, muralhas.

É nesta Invicta que vivo, vendo
telhados de vidro, estilhaços de vento

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Heresia...

Se água é purificação
Então grito renasci
Em águas do coração
Pecados não cometi
E me apago
Desfaço
Em orvalhos espessos constantes
Torturas prolongadas instantes
De negros com negros trajados
Não mereci

Abandonos profundos vendo
Qual moinho ou catavento
Rodando sozinho
Sem velas, brisas ou vento
Bátegas de chuva louca, cega, densas
Que não regam as tormentas
Da secura do caminho

Olhando confiante o firmamento
Acesa a luz da fé conservando
Tantas vezes esmorecendo
Se apagando
A reacendo
De mente
Nua

Na chuva
Densa

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Na areia grossa

Não sei se era noite, se dia. Não me recordo. A mente não me dizia, correndo o tempo.
Indicaram-me uma casa antiga como sendo um templo.
Entrei num átrio sem nada, de paredes altas e, à minha frente, deparava-se uma alta escadaria que subi, sem cansaço.
De novo um pequeno hall nu, uma semi-obscuridade, que tinha como ornamento uma singela mesa e uma cadeira onde te sentavas tranjando tons escuros.
Ninguém saiu nem entrou, não vi janelas nem portas e, como num passe de magia, desapareceste.
Procurei-te por todo o lado percorrendo salas de nada. Minhas botas afundando em areias grossas mas segui, sempre, em frente. Cruzei portas, atravessei um postigo em busca das vozes que ouvia distantes. Um casal tagarela e sorridente, em sentido inverso ao meu, passou o postigo, sem me ver, tal era a cumplicidade entre os dois.
Regressei, sem qualquer temor, envolta na mesma serenidade desde que naquela casa entrei.
Mas…sempre que dava um passo, as minhas botas afundavam…na areia grossa.

Dos sonhos e seus mistérios
Coração descompassado
Saltando
São segundos infindos
No éter voando
Parábolas da Mente…

sábado, fevereiro 19, 2005

A Festa

De rubro as unhas pintei
Sapatos altos calcei
Para a cerimónia que havia
Lá, onde a noite era fria

Vesti trajes lindos, luzentes
Tudo e nada condizentes
Comigo. Estampei a alegria
No porte para as gentes
Que (des)conhecia

Impávida e serena seguindo
Entre os brilhos, as presenças,
Socializando, sorrindo,
Noite fora dançando
Braços e braços enlaçando
Rodopiando aparências.
Dizeres, olhares,
Desejos d’amares
Quando passava, sentindo…

Onde andavas, amor distante,
Não me largando um instante
E de saudades vestido
Dias, noites, horas a fio
Por ti, em ti, esperando…

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Poeta

A noite pertence ao alto poeta
Divagando, ilusão discreta
Faz os leitores sonhar
Percorrendo os caminhos
Acompanhado ou sozinho
Com um sorriso p’ra dar
Seus amores são imensos
Desde o A até ao Zê
E querem saber porquê?
Vendo a forma de cada letra
A cor, o som, a beleza
Que cada emite ao desenhar.
Umas lembram pradarias
Outras, mares, nostalgias
Ventos, também luares
Desertos, oásis incertos
Sóis, brilhos, estrelares
Universos coloridos
Nuvens, doces abrigos
Melancolias d’estares
Silêncios d’amena música
Encontros de véus e túnica
Maviosos deslizares
Tudo serve, tudo é vida
Tudo morre ou intriga
Tudo passa a fenecer
Ou em luz a renascer
Para correr, parar, não ver
Ouvir ou emudecer
Pensar ou só amar
Ouvindo música a pairar
No silêncio ou na distância
Tanto faz, tudo é poesia
Entre ânsias e acalmias
Falar do poeta p’ra quê
Se a vida é o que lê
Cada qual em seu mirar
Aquilo que sente agora
Em segundos, sem demora
Torna-se fumo no ar
O poeta é um belo pensador
Do faminto, sedento leitor
Poeta, eu te bendigo
Por existires, amigo
Na música que trazes contigo

sábado, fevereiro 12, 2005

Eu Sei...

Eu sei que o azul é mais intenso
Nesse mar longo, imenso
Desfazendo-se em espuma
Nas areias brancas das dunas
Eu sei que os prados extensos
Na sua maciez verdejante
Lembra a seda brilhante
Transformada em finos véus
Eu sei que flores do campo despontam
Tímidas e suas pinturas mostram
Alegrando as bermas da estrada
Viajante, onde tu passas
Eu sei que as noites dos poetas
Luzem mais, estão despertas
Em dourados estrelares
E da lua os seus mares
Eu sei que o mundo vive suspenso
Da palavra e do ondear do vento
Que anseia paz, serenidade
Para o Homem, a Humanidade
Mas quem sou eu, se o que sei
Não transforma anseios em Lei?

domingo, fevereiro 06, 2005

O Concreto

Desce a noite no concreto
Com manto de denso véu
Faces mostrando esgares
No asfalto
E na calçada
Batem céleres calcanhares
Sombras de frágeis árvores
Sobranceria d’outrora
Sem o breu
Que o concreto alaga
De porta em porta
Agora

Num cantinho da sacada
Ouvem-se murmúrios surdos
Gente que está parada
Escutando mudos
No concreto
Que sobe, trepa aos céus

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Ao Amanhecer

Afio o lápis de novo, devagar,
Das letras, meu companheiro
E espero
A junção das letras, soltas, dispersas
Que vejo
Pairando nuas no ar

Contorno linhas, quadrados,
Entretanto,
No papel à minha frente
Sombreio quadriculados
E vagueio
Em sombras de letras, somente

Célere passa o tempo correndo
No silêncio, nesta ausência
Das letras
Transparências, movimento,
Brisas,
Pontes, correntes e vento
Em serena pradaria
Prevendo
Luz plácida do dia
Amanhecendo...