terça-feira, novembro 30, 2004

Respondendo...

Se te quero, te desejo?
Plena em ti me revejo
Meu amor, meu doce enlevo
Meu divagar no vento
Parte de mim, meu sossego
Meu pairar cantante nos ares
Meu afago
Minha pele
De cantantes despertares
Minha lonjura
Tormento
Lágrima oculta
Despedida
Na noite tornada escura
Meu anseio de Ventura
Minha canção dolente
Minha luz, minha aurora
Despertando sorridente
Terna forma espiralante
Quadricular, secante
Geometrias perdidas
Simbologias d’outrora
Morango rubro, meu mel
De leve trago a fel
Na hora das despedidas
Meu céu azul, meu luar
Meu voo leve, sereno
Num Outono mui ameno
Chuva d’estrelas, meu mar
Oásis o deserto salvando
Sede que matas a sede
Que em mim tu te perdeste
Eu em ti unificando
Minha fidelidade louca
Em silenciosos falares
Sussuros e murmurares
Cega, surda e mouca
A convites, distracções
Enlevos e seduções
Vivendo p’ra ti somente
Meditando sorridente


segunda-feira, novembro 29, 2004

Eremita

Rasgando roupas e mantos
Me cubro de singelos cantos
Abraçando o momento
Buscando a Palavra no vento
O silêncio

Escalando íngremes encostas
Admirando a Natureza
Esplendorosa
Brilhante
Que tu gostas
Eremita errante

Procurando a Luz em meditação
Imóvel me quedo
Em sossego
Profunda introspecção
E voo pairando
Música no éter soando
Sem temor nem medo

Lavro a terra, faço o pão
Recolho folhas silvestres
Bebo água que mais não
São
Gotas de orvalho giestas
Intemporalidade
Acalmia da verdade
No saber das florestas

Casulo

Poemas não faço sigo escrevendo
Dentro do meu casulo
Entre os dedos espreitando a medo
Caixa das misérias do mundo
Que entram
Esventram
Terrores
Gláudio de palrantes doutores

Guerras, ódios, prepotência
Tempos sem cor amorfos
Dolorosa sequência
De dias tortos
Gentes incolores
Frieza nas dores
Perdida está a clemência
Não olho, recuso
M’enrolando no casulo

Rios rubros, canibais
Encruzilhadas torpes da mente
Desfeitas em espirais
Ceifando trajectos
Projectos
Invividas vidas, demente
Rasgo sedas e ares
Do casulo saio enfrentando mares

domingo, novembro 28, 2004

Não Temo

Não temo
Enfrentar o dia-a-dia
A rotina, com alegria
Sincronização de mim

Não temo
Percursos delineados
Em consciência meditados
Racionalizações outrossim

Não temo
Olhar em frente seguir
Alheamentos sentir
Encontros introspectivos

Não temo
O cinza negro anoitecer
Dias brancos percorrer
Desencontro dos sentidos

Não temo
Climatéricas alterações
Análise fria de ilusões
Imprudências da Mente

Não temo
Vaguear solitária no Tempo
Descobertas de momento
Interioridades somente

Nos sorrisos da certeza
Caminho impávida e serena

sexta-feira, novembro 26, 2004

Afinação

Notas soltas tresloucadas
Claves, breves e solfejos
Mescladas
Irisadas de desejos
Vagueiam saltando da pauta
Seguem bemóis e sustenidos
Andando no ar perdidos

Cada um canta seu canto
Em nuvens de algodão
Para pasmo e espanto
De quem
Por bem
Assiste à confusão

Libertam agudos e graves
Soltam sonhos melancólicos
Águas revoltas de mares
Escalam montanhas
Descem vales
Em busca dos tons bucólicos

Entre palmeiras e tâmaras
Dos oásis do deserto
Repousam em belas câmaras
Finalmente
Serenamente
Compassadas
Musicadas
Calmas
Ledas do incerto

quinta-feira, novembro 25, 2004

Curtas

Acordei
Me levantei
Entre palmeirais
E areais
Na foz
Ouvindo a voz
Do meu rio
Sorrio
Percorro
Não corro
Sonhares
E mares
D’acalmia
Não devia
Turbulência
Demência
Realidade
Boa vontade
Ficção
Talvez não
Questiono
E retorno
À esperança
Na lembrança
De um dia
Quem diria…

quarta-feira, novembro 24, 2004

O Imprevisto

Sem pressões
Nem compaixões
Segui absorta voando
Pelo tempo em lonjura tornado
Partindo e regressando
De quando em quando

O incógnito ser humano no casulo enclausurado

Sem temores
Nem sentidas dores
O desconhecido aguardando
Ausente de mim, do rodeante, das gentes
Mirantes indiferentes

A caixa imóvel num canto do nada, esperando

Vi-te
Sorri-te
Contido calor d’um abraço
Em mim sonoros falares brotaram
Entre sorrisos, espantos, jorraram

A ave sem asas voava, sem amarras, sem um laço

Ternos olhares
Doces tocares
Química atracção
Instantânea, inconsciente, deslizante
Em segundos, horas, num instante

A música da pauta saiu, leve, tornada libertação

terça-feira, novembro 23, 2004

Doce Canto

Canto o amor, a dita, a ventura
Caminhante
Inconstante
Em seus passos de vento
Caixa de sonhos, lonjura
Do tempo, que em tempos, foi tempo

Canto o fogo, a paixão ardente
Desfolhados
Incontrolados
Em revoltas marés voantes
Desconexos de demência premente
Peles, olores, desejos, cantantes

Canto o azul, o sol, os luares
As estrelas
Como belas
Na serenidade, na paz
Caminhantes de vagares
Brilho plácido, ameno, nos traz

Canto às letras do poeta sonhador
Que voa
Entoa
Com mui terna sabedoria
Musas, cores, luzes, sem dor
Do entardecer, da noite, faz dia

Cantando meu caminho sigo
Em deslizares
D’amares
A vida, a alegria, a doçura
Sorrisos francos que bendigo
Fidelidade, dádiva doce, se perdura

domingo, novembro 21, 2004

La Declaración de Amor

Más aún que en tu clara primavera
eres ahora bella, amada mía:
en tu espléndido otoño, se diría
madura en ti la humanidad entera.

Amo tu cuerpo hermoso y tu alma austera,
tu sien surcada de sabiduría,
y te amo al saber tu compañia
para todo y en todo compañera.

Así te quiero, mar de aguas tranquilas,
con tu diáfano ayer, y en las pupilas
la luz de los crepúsculos dorados.

!Manos dichosas con que compartimos
nuestro pan amoroso y los racimos
a las viñas celestes arrancados!

Roberto Cabral del Hoyo
San Angel, Agosto 1993


(Postado por Morales Vilanova, no seu blog, em 20 do corrente)

Meu Cão

O Homem dispõe seus caminhos
seus passos, rumos e rotas
perdido em ilusões
sonhos, voos
maldições
tristezas
e sem certezas
do que pode acontecer

A Natureza é mais forte
bela, dura, imprevisível
portadora de surpresas
dura, crua e vil
indiferente
das solidões
do amparo, do braço amigo
muda, cega, não quer ver

Perde o Homem, perde tudo
árvores, plantas e flores
animal d'estimação
guarda querido
nas dores
da perda
da solidão
parte de mim vai contigo
na morte
sem sorte
no coração

E choro, por mim, por ti, meu cão

sábado, novembro 20, 2004

Despertar...

Desenhando traços e letras
Sobre brancos quadriculados
Contornando sombreando
Geometrias
Simbologias
Seguindo riscos traçados

Animais impacientes aguardam lá fora
O pão deles de cada dia

Seguindo o lápis distraído
Que percorre curvas espirais
Em movimentos corridos
Sem andamentos
Musicais
Entre silêncios cortantes fluidos

Um rouxinol passa trinante…

Vendo na cegueira existente
O negro ocupando a brancura
Ligeiros densos tracejares
Quadriculares
Sem pensares
Alva etérea côr não mais pura

Despertar para um dia brilhante…

sexta-feira, novembro 19, 2004

A Voz do Pássaro Errante

Longe veio do nada existente
Caminhando entre núvens escaldantes
Jorrando labaredas de gelo
Derretido
Convencido
O caminhante
Envolto em musicalidades falantes
A voz do pássaro errante

Abrindo portas dos céus
Frinchas luminosidades pálidas
Espreitava
E nadava
Em rios secos curso constante
Coberto de densos véus
Desnudado ser em sonho belo
Vozear de pássaro errante

Olhar atentamente disperso
Perdido no vento forte e brando
Nos areais da mente
Não sente
Desmente
Realidade nua crua seu canto
Passo vacilante e certo
Coloridos flocos de ar deslizante

Na voz do pássaro errante…

quinta-feira, novembro 18, 2004

Amor

Meu encanto, meu doce enlevo
Meu raiar d’aurora, meu despertar
Meu entardecer sussurrante
Anoitecer escaldante
Que cada frase eu bebo
E não consigo olvidar

Perdida em mares revoltos
Em mui ternas calmarias
Desejos alucinantes
Em noites claras e dias
Sentidos loucos e soltos
Buscando-me em ti, nos dias

Vesti-me com manto brilhante
Da luz do sol, das estrelas
Do verde ondear da serrania
Procurei, demente, incessante
Nas cores de músicas belas
Estavas lá? Não, não sentia

Perdição minha, sonho, doçura
Encantamento, meigo amor
Te suplico, peço e rezo
Que apagues esta ternura
Esta chama, fogo, ardor
Do coração que t’entrego

terça-feira, novembro 16, 2004

O Vento lá fora

A noite me invadiu lentamente
Com o denso peso do dia

Entre penas num colchão de pedra deitada
Repousei meu corpo cansado
Olhando o vácuo
Na imobilidade do pensamento

O vento lá fora em sibilantes cantares

O livro dos sonhos pousado
Me mirando
Espantado

Silêncio inócuo

Me desliguei na noite entre acordares
Focando o tempo, inconsciente
Numa acalmia
Vivendo instantes de nada.

segunda-feira, novembro 15, 2004

Divagações em Letras

Letras dançantes pairando
no espaço, sorriem…
Alegres, saltitam
entre teclas brancas e negras
As cordas do piano esticam
a sonoridade clara disformando
e criando, enigmas, às cegas

Construindo jogos de palavras
Meros dizeres com som,
sem senso
Condutoras incautas de sonhares
Indiferentes ao outrem
que não buscam, insensíveis
a lucidez, na linearidade interpretada
Sentida
Somo suas

Poetanto em palavras difusas
agradáveis aos sonhos
às ilusões
de quem passa na procura
da esperança, de voos
irrealizáveis,em candura

Olho-as e não entendo!
Frases com tudo de nadas
plenas dum silêncio profundo
dum vaguear pelo espaço
Para delícia do poeta.
De quem ilusoriamente as lê

E meu caminho percorro
em silêncio, em acalmia
aguardando cada momento
Sem pressa, sem turbulência
que chegue a clarividência
nessas letras distorcidas
E serenamente, sorrio



domingo, novembro 14, 2004

O Sonho

Preciso de ti
Como rio sôfrego a água bebendo
Como montanha o verde das árvores sorvendo
Como no deserto a areia fina aguarda o vento

De ti preciso
Como sol rubro num anoitecer nascendo
Como o mar revolto em correntes e luares
Como a doçura da ave pairando nos ares

Preciso de ti
Como o silêncio da noite falante
Como uma estrela tímida brilhante
Como o raiar d’aurora, num instante

De ti preciso
Como a palavra em letras perdida
Como as cores dispersas em branco
Como musicalidades que não canto

Preciso de ti
Como o estender da mão do mendigo
Como o achar num tempo perdido
Como o voo embriagado, medonho
Preciso, sim, de ti, meu sonho

sábado, novembro 13, 2004

Canto

O canto da sereia não canto
Minha voz perdeu o timbre
Canto o amor, a alegria
No encanecer do dia
Que desliza e no entanto
Canto canção mui breve

Entre notas soltas e solfejos
Afino, desafino, percorro
Escalas musicais incompletas
Breves, curtas, incertas
Deslizantes no éter e vejo
Mutantes notas em clave

Canto à água, ao mar, ao rio
Seguidores em cadência
Ao sol, à terra e ao ar
Que, com seu ondular
Levitam minha demência
Em luminosidades de brio

Canção em lâminas de fogo
Meiga, terna, ardente
O infinito enlaçando
Em profundidades inalando
O caminho que percorro
Num sorriso consciente

sexta-feira, novembro 12, 2004

Escrevo...

Escrevo, sem palavras nem letras
Em sonhos de Fogo e calor em labaredas
Transformadas
Produzindo um invisível ondulante vento
Levitando-me em carinhoso momento
Em ledas
E fulgurosas madrugadas

Escrevo, sem letras nem palavras
Na Água límpida e clara mergulhada
Transmutada
Em ondina de rio, catarata ou lago
Meu manto espelhado eu afago
Encantada
Entoo a música que te trago

Escrevo, sem palavras nem letras
Formas espiraladas de azul no Ar
A planar…
Desenhos de suaves voos imaginados
Perdições de amores desejados
De te achar
Em maviosas cores de tons irisados

Escrevo, sem letras nem palavras
Da Terra, a força física, a paixão, o sentir
O ideal
Pelo terno beija-flor simbolizado
Esvoaçando no doce mel deleitado
A sorrir…
Interacção da natureza dual

quarta-feira, novembro 10, 2004

Dialogando

Vêde as horas, minha mãe
Tarde se faz, tenho d'ir
Tanto caminho a percorrer
Tantas letras para ler
Tenho mesmo que partir

Pressa? P'ra quê? O mar não sai do lugar
Brisa amena sopra, o sol continua a brilhar

Inclemente, nos dedos desliza a vida
Alteram-se marés e correntes
Rodopia o astro rei nos horizontes
Lâminas de fogo lançando
Lembrando
A mudança já sentida

As cores do arco-íris? A ternura dum sorriso?
Os sonhos do poeta? O voo no tempo contigo?

Minha mãe, assim eu corro...
As pontas d'ilusões, sonhos, agarro
Com toda a força restante
Num silêncio inquietante...
O cru voo do tempo seguro
Num meigo sorriso brilhante
Do poeta adormecido

terça-feira, novembro 09, 2004

A Comédia de estar...

A comédia de estar cronicamente atrasada para a minha própria vida estava a dar cabo de mim.

"Qual é a mais pequena harmonia dentro de uma grande vitória?"

Tudo em Pitágoras são harmonias. A astronomia, a virtude, a matemática...
Grande vitória pode significar o que se quizer, e a mais pequena harmonia tem muito menos significados concretos.

Utopia de Thomas Moore:
Os seus habitantes têm dois jogos parecidos com o xadrez.
O primeiro é uma espécie de concurso de aritméticas no qual certos números ganham a outros.
O segundo é uma batalha campal entre virtudes e vícios, que ilustra de forma brilhante como é que os vícios tendem a entrar em conflito uns com os outros, mas se combinam contra as virtudes. Mostra o que determina, por fim, a vitória de um lado ou de outro.

domingo, novembro 07, 2004

Teu Caminho

Em ti eu morro
Por ti renasço
em ternas formas de cristal
na seda de flores no ar
pairando em brisas leves...
leves...

A Serenidade me encontra
me leva, me transmuta
em cores plácidas
em deslizantes meigos voos
planando nas asas da Mente
lá alto...
bem alto...

De Paz me cubro e enlaço
revejo a Luz e divago
Encantamentos de mim
para ti em carinho levado
Teu caminho percorro
atenta...
serenamente...

sábado, novembro 06, 2004

Apelo

Oh Morte, porque não vens
se morro em ti todos os dias?
Morro como os pássaroa voantes
Morro sob sóis estrelados
em mantos de azul
Morro na vida invivida
Morro!...

Luz que aclareia meus sonhos
esvaiu-se
Deambulo na escuridão
Só, em passos perdidos

O adormecer perpétuo!
A acalmia silenciosa do nada!
Vos desejo, tanto, tanto!

Sentimento de abandono
persegue-me
cada minuto, cada instante
perdida em gotas tranlúcidas
deslizantes de mim

E oro aos deuses
às divindades supremas
que a Paz me traga
ao meu corpo amorfo
dormindo no vácuo do nada.

Clausura

Marcas de ti ficaram
Permanecem
Em conturbada clausura
De mortes
Em noites sós
Anseios
Colo que m' afaga
Sem promessas
Sem nadas
Só... Depois...
Perdição no Tempo
Lonjuras
Em apelos
Voo como louca
Insanidade
Talvez!
Imagens
No espelho reflectidas
No Além
Unidade de dois
Divago
Confio
Na lucidez perdida
Da Mente

Formas

Formas pairando sobre incautos sonhos
De pirilampos luzentes em manto azul
De tempestades, mares revoltos
Verdejantes campos
Brancas montanhas

Nos olhos da águia, do condor voando
Pelo Infinito belo, inatingível
Formas de pujante esperança e luz
No fundo do desconhecido mergulhando
Entre regressares e partires

Na leveza da miragem em áridos desertos
Buscando, sequiosas, a água dos deuses
Da vida eterna, do manã ansiado
Em pinceladas de musicalidades coloridas
Sentidas na efemeridade dos sonhos

Formas deslizantes, resvalando de mansinho
Mirando, incrédulas, a luminosidade
De trajectos, rotas, caminhos, mas tentam
Um voo nas inseguras asas pela brisa
Leve, macia, com doçura e carinho
Esquecimento do tempo, da realidade
Dura e crua, sorvendo ávidas a vida

Formas em acordes nostálgicos
Descrentes da fria análise existente
Acordam! Regressam do encanto do planar
O retorno à custosa existência!…
Admiram a luz esplendorosa lá longe
Orientando timidamente seus passos
E sorrindo…

sexta-feira, novembro 05, 2004

Poema de Hilda Hilst

Para poder morrer
Guardo insultos e agulhas
Entre as sedas do luto.

Para poder morrer
Desarmo as armadilhas
Me estendo entre as paredes
Derruídas.

Para poder morrer
Visto as cambraias
E apascento os olhos
Para novas vidas.
Para poder morrer apetecida
Me cubro de promessas
Da memória.

Porque assim é preciso
Para que tu vivas.

quinta-feira, novembro 04, 2004

O Indigente

(Badeado num caso real)

A rotina diária já fazia parte da sua vida há longos anos.
Seu passado, ninguém conhecia.
Veio de não sei onde, percorria a cidade a pé, fizesse chuva ou sol, em dias de tempestade ou estiais.
Seu ligeiro coxear, de olhar bondoso mas triste, chamava a atenção das gentes que com ele se cruzavam.
Meias e sapatos velhos, semi-desfeitos pelo calcorrear de ruas e vielas, roupas puídas, descoloradas pelo tempo, remendadas, de velho e deformado chapéu na cabeça, lá ia o pobre homem, coxeando, andar certo e vagaroso pelo peso da idade.
No meio da sua pobreza, um brio se notava na sua gasta e escassa roupa, sempre limpa.
Irradiando simpatia, educação e bondade, tinha seus lugares certos, durante anos a fio, onde o encontrávamos: nas soleiras das portas comendo uma malguita de sopa, um pão, uma peça de fruta tocada, que as almas caridosas lhe davam.
Humildemente dizia já ter tido posses, ter vivido bem, mas os azares da vida o tinham levado àquela situação.
Quando lhe perguntavam se não tinha filhos ou algum familiar que o socorresse, respondia de feição triste: Ninguém! Já todos se foram!...
Metia dó!
As donas de casa, onde mendigava, condoíam-se da pobre criatura.
Até que um dia, estando ele a saborear uma sopita caridosa num canto duma escada, chega uma peixeira, de cabaz à cabeça, dá-lhe uma fugaz mirada e diz à dona da casa:
- Não sei quanto dinheiro a senhora tem!, mas aquele homem, ali sentado, tem muito mais que a senhora!

quarta-feira, novembro 03, 2004

Rir

Rir do ontem, do talvez
Rir por tudo e do nada
Rir em sonhos acordada
Daquilo que não se fez

Rir na noite e de dia
Rir do antes no depois
Rir de tudo que não via
Vogando em ilusões

Rir do directo indirecto
Rir de palavras traídas
Rir das névoas trazidas
Quando tudo era incerto

Rir em belos sóis azuis
Rir em marés encontrada
Rir de ahs, ohs e uis
De poética encapotada

Rir de sábios perderes
Rir do certo imprevisto
Rir daquilo que eu visto
Em crus e parcos haveres

Rir da dúvida na certeza
Rir do claro obscuro
Rir com toda a firmeza
Respiro, vivo, perduro

Rir da dor na alegria
Assim me vou, já é dia!..

segunda-feira, novembro 01, 2004

Trilhos

Quero
Seguir meus caminhos entre raiares de Luz
Quero
Sentir a esperança nos corações oprimidos
Quero
Libertar as Almas de torturas infindas
Quero, sempre, mais, muito mais...

Desejo
O regresso da Paz às Mentes humanas
Desejo
A alegria dum anoitecer em Azul
Desejo
Que a água revolta dos mares em lago se tranforme
Desejo, oh, como eu desejo!...

Penso
Tornar amarguras em sonhos voantes
Penso
Percorrer rudes trilhos com paz e amor
Penso
Na dádiva dum sorriso, antes temor
Penso, e como penso!...

Anseio
Ver a perfeição no esplendor do Infinito
Anseio
Que as pérolas caídas num sorrir se transformem
Anseio
A luminosidade do Sol nas mentes dispersas
Sim, como anseio!...

Tentarei
Que caminhos obscuros, densos, se dispersem no éter
Tentarei
Que aves mutiladas voltem a voar
Tentarei
Que o Azul, a Luz, o Sol, o Templo
Voltem de novo, e sempre, a brilhar