Correndo como louca, lá vai a menina dos caracóis, descendo a calçada.
Cabelos rebeldes, saltitantes, vestido de chita curto, colorido, esvoaçando na cadência do movimento apressado.
Descalça, chinelas na mão, saco noutra, de pés calejados por um hábito de vida, imunes aos escolhos da viela, ela não corre... voa!
De cara gaiata, olhos vivos, brilhantes, que tudo e mais querem ver.
Passa, entre as gentes que com ela se cruzam, gentes de andar pesado, custoso, cansado, de ar sisudo pelo peso da existência árdua que sempre conheceram, qual turvelinho, sem as tocar, sequer roçar.
Alguém, numa esplanada improvisada de duas mesas à porta dum tasco, a chama, pergunta porque corre, mas ela não ouve... Ela, que tudo escuta, que nada lhe escapa, na sua sensibilidade de criança ainda.
Caracóis rebeldes, faces rosadas, em desalinho, de olhos luzindo como dois faróis, de sorriso aberto de felicidade, irrompe casa dentro, ofegante da correria:
"Mãe! Olha o que a senhora da casa grande me deu!"
E abre o saco.
Dele sai um fato de banho, já usado, e uma velha boneca de trapos que abraça carinhosamente.
"Mãe! Posso ir até ao rio? Posso?... Posso?..."
domingo, outubro 10, 2004
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3 comentários:
Que bela história, amiga! O universo da infância todo resumido nessa boneca e no fato de banho que deixaria a menina ir banhar-se no rio... beijinhos
Eu se estivesse no lugar da mãe da menina deixa-la-ia ir ao rio.
Há lá coisa mais bela que ver uma criança a exultar de alegria.
Bjs, amita
Não sei porquê, mas este teu texto lembrou-me Camões... "Descalça vai pera a fonte/Leanor pela verdura/vai fermosa/e não segura"...
Beijos*** :)
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