quarta-feira, novembro 16, 2005

Pelo São Martinho




Chegavam pessoas aos pares e famílias inteiras, mais lentas ou
apressadas, crianças em correria, com o sorriso estampado
nas faces morenas, rosadas pelo frio que a noite enfeitava.

Do duro labor de cada dia, o pensamento cortava as asas ao
vento avistando o entusiasmo das gentes.

Junto ao adro da igreja, crepitava a fogueira no chão de terra
batida, lançando faúlhas no ar e línguas de fogo guloso que, com
seus bailados, tentavam afagar as estrelas seguindo a música em
compassos, que se ouvia.

Que lindo!… exclamava o povo.

Aspergiu-se água, não da benta que é pecado, por cima das
labaredas e nas brasas rubras, serenas, castanhas foram
lançadas já o vinho tinto corria de boca em boca, assim como os
nacos da boroa de milho que o padeiro cozera no forno vedado
com bosta fresca apanhada de manhãzinha.

Os mais afoitos, segurando as pontas da coragem que em jorros
de vaidade lhes surgiam no peito, saltavam a fogueira entre os
gritinhos das moçoilas e olhares de cumplicidade furtivos.

Pelos dedos singelos do povo, a noite corria sincera, despreocupada.

O Sôr Abade, distribuindo a palavra entre as gentes, sorvia, com
golinhos discretos, o sangue de Cristo que no sacrifício da missa
se oferecia.

E, sorridente, agradecia ao Firmamento por ver o seu
rebanho reunido nesta noite encantada trazida pelo São Martinho.

5 comentários:

Poesia Portuguesa disse...

E, as castanhas? Estão quentinhas, posso ir comê-las?
Lindo ... Revi tantas noites dessas, na aldeia do meu Avô!
Grata por me fazeres recordar!

Um abraço terno ;)

Menina Marota disse...

Adorei este texto!

Um abraço ;)

Estrela do mar disse...

...minha @miga...isso é que é Portugal...é tradição...e como eu gosto dessas coisas...mas aqui onde moro...nada disso existe...


Beijinhos e obrigada pelas tuas doces palavras Amita.

És muito querida!

Peter disse...

"Junto ao adro da igreja, crepitava a fogueira no chão de terra batida, lançando faúlhas no ar e línguas de fogo guloso que, com seus bailados, tentavam afagar as estrelas seguindo a música em compassos, que se ouvia."

Amita, o texto é teu? Gostei bastante.

Não conhecia essa tradição da fogueira no adro da igreja, onde é?

GNM disse...

Está um lindo texto. Fez-me imaginar outras realidades.

Uma excelente semana para ti!