sábado, maio 26, 2012

Do vento...

Falemos do ruído do vento
Do despertar intenso em cascata
Das mãos que em sonhos se agarram
Às névoas escuras e claras –
Estigma de esmaecidos momentos
Em branco e preto sentidos

Falemos de todo e qualquer pensamento
Correndo nas veias do acaso;
Das folhas redondas que caem
Em leves ornatos de dança
Sobre o prado que as enlaça
Verdejante ou definhado

Falemos da terra que trais
De que nasceste e para onde vais
Em adornos de renda;
Da mulher formosa que pariu ais
E a ti dedicou sua senda;
Dos capitéis jorrando lágrimas -
Refllexos em transparências -
No leito seco do rio

Falemos de memórias trazidas no vento;
Da rama esmagada, dolorida
Reclamada pela encruzilhada do tempo
Sem mais espaço nem medida;
De gente leve em cantaria -
Entalhes de vidas cruzadas
Pelas Sílfides – na sina em ti assente

Falemos baixinho
Mas falemos
Da palavra a ausência
Em imersos sentimentos

sexta-feira, maio 11, 2012

Flutuando

Parti
sob as brumas de um recente passado
no marasmo intenso dos dias

De súbito, das letras me apaguei
e ainda hoje não sei
das palavras fugidias

Durante a noite dos dias
em véus adormecida
portas, janelas fechei
aos tempos idos:

minha mãe, sorrindo, as abria;
meu pai, um poema inacabado
em meu peito escrevia
com flor de sal e água
que o silêncio afagava
qual doce canção de outrora
nos caracóis de menina

Assim permaneci tempos infindos
sem hora nem data de despertar o arco-íris
amar a dança em mim intensa
sob brandos sons emitidos
da aveludada flor em rosa aberta
com ternura e sorrisos



(pintura de Chen Yang-chun)


segunda-feira, abril 16, 2012

Labirinto dos sonhos


Caminhava num estreito e degradado corredor
sumida nos sons de um silêncio profundo, abstracto.
Para trás, ficavam seres estranhos
com seus olhos carregados num misto de dor, ódio,
desconfiança e espanto.
Caminhava apressada como que instruída
pelo apelo da derradeira porta.
Na sua pressa, quase esbarrou com três homens furibundos
sustendo no ar uma frágil e pequena cadeira de pinho
ocupada por uma criança com uma corda grossa no pescoço.
Atónita, alarmada olhou para cima.
A meio metro da cabeça, a ponta erecta estava cortada.
Entrou no quarto dos fundos onde uma mulher desvairada
acusava, com gestos, o menino da cadeira por todo o mal sucedido.
Que mal?
Porquê tanta demência se nem um som se ouvia?
Olhou ao seu redor tentando entender o que apenas sentia.
Naquele quarto pequeno, onde o caos se tinha instalado,
avistou mais duas crianças, imóveis, subnutridas:
uma num canto em novelo encolhida,
outra numa enxerga e virada para a parede.
Devagarinho, rodou-a.
O seu mundo era outro.
Aquele das coisas mais simples e belas
onde a mobilidade cerebral a ciência ainda não conserta.
Mais tarde veio a saber que, a menina da enxerga,
havia sido encontrada, abandonada, num destroço qualquer.
Ainda hoje estremece pela peculiaridade isócrona do sonho.
(pintura de Carrington)









terça-feira, abril 10, 2012

ParesDEpar


    Como as palavras
    os pares caminham
    unidos
    pelos estádios da alma

    Em sussurros coloridos
    a alegria baila

    Entoam cantigas
    memórias da Dita
    e, da Desdita
    os percalços
    de rumos tomados

    Espelham sorrisos
    de vidas passadas
    e de esperança
    na brisa rude e lenta
    que amanham

    Pelo pincel da noite
    sob um amor inspirado
    são pares de um todo
    em terna dança
    na paleta das palavras


    (acrílico sobre tela de Varatojo a quem agradeço e desejo imenso sucesso
    para a sua exposição "De então para cá", a realisar no dia 12 do corrente,
    das 18H às 20H, na Galeria Municipal Palácio Ribamar, em Algés) 
   

quarta-feira, março 21, 2012

Verbo


























Chove! Apenas chove!
Assim se ensina, assim se dita
e a interposta pessoa não se move
subjugada pelo rumo da sina

Naquele dia choveu!
Num além longínquo ou perto
e, sob a intransigência do verbo,
cada sonho esvaeceu

Mas eis senão quando
se assume o diletante Poeta
urdindo caminhos sem meta
na deflexão defectiva…

E me chove tanto, tanto,
que me anoiteço no canto.
Mas se me prouvesse a vida
amanheceria, estou certa,
nas mãos leves do Poeta
e sorriria. Então sorriria.


(pintura de Julio Romero de Torres)

Poema in "Transparência de Ser"

Flor de Letras
















Docemente, alinho palavras
na entretecida canção de sal e água.

Por vezes, ao seu redor
esvoaçam picos, formas de pássaros,
coloridos alinhavos sob um fogo encantado

Olho-os na voz do silêncio desfolhado.

Se por vezes sinto em acalmia a brasa,
outras, estremeço pelo vazio
gritante que clama a inconsistência,
a lenta perdição da mente
pelo deserto de inconstância desperto
que da chama nada entende
nem da verdade

Quisera ser aroma em flor de letras e,
gota a gota, elaborar a palavra em falta
quando cada verso de dor e treva
transforma em dúctil manto
essa voz de pranto e mágoa

Às vezes, vibrante, penso
silenciar o remoinho do espaço
e sorrindo docemente espalho
no fogo, o sal, a água
da eterna estrada em cascata


(fotografia de Luiz Edmundo Alves)

Poema em "Transparência de Ser"

sábado, março 17, 2012

Borboletas






















Solta dos sentidos
a palavra
sob os dispersos sons emitidos

Pausa-te no verbo
reinventa-te
cresce-te no verde da estória

e

na incompletude da espera
pela rama emoldurada
desenha
coloridas borboletas
na comitente hora
em reticências

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Deambulações primeiras


(imagem de Edward Robert Hughes)


Sobrepostas as linhas primeiras dos traços
no arrojo inocente dos planos rectos
por onde caminhávamos sozinhos -
eu aqui, tu desse lado –
prisioneiros do vale dos sonhos
em palavras projectados
no centro atmosférico da sala

Dançávamos-lhes as sombras,
escutando pela meta noite os passos,
como se gente fosse
ou entes em deambulações abstractas
quando mais não eram
do tom, a leve mudança,
a imperceptível molécula
que se abre e se dispersa
no rebordo de uma folha gotejante

Amar assim, sobre o verde atapetado,
debruçando-nos em pontos lisos, entre planos,
e com o silêncio na linguagem
partir… acompanhados,
é um tudo sentir, num quase nada


(in "Transparência de Ser")

O fio do Tempo














pintura de Francisco Laranjo
Deslizamos nas palavras
do tudo, do quase nada
que transitam num estado catatónico
sinóptico, lerdo, morfológico
sob uma cândida dolência
no fio das horas sem tempo

E tecemos juntos a igualdade
esse sentir convergente
de quem plana nas mesmas asas
mesmo quando inconsciente

Claros e plenos nos vemos
da distância percorrida
da vida que vidas cria em letras
do adormecer na praia do medo
da aventura em defesa
e da Beleza... a sua essência

Assim intuímos as palavras
nos recônditos ínfimos de um solo arado
de tanto sentir semeado
sob sorrisos serenos
E nem nos desligamos
na água, no sol, no vento
a Natureza de nós é parte
calorosa e intensa


(in "Transparência de Ser")